sexta-feira, 9 de agosto de 2013

DESMANCHE E REESCRITA DO CORPO EM PINA  BAUSH
- procedimentos de repetição e colagem -

                                                                                       Dirce Helena Carvalho

Corpos translúcidos, diáfanos, transparentes, atravessam o espaço de ‘ensaio’ dançando histórias de vida, histórias inventadas, histórias criadas coletivamente em perpetuum móbile de idéias, de lugares e não-lugares, de vazios, de vácuos, de (dês) referenciações,de ancestralidades, de memórias, de  imanências, de compartilhamentos, de corpos inscritos em  histórias de vidas... Dia de Encontro!  Dia de PINA BAUSH!
Dançamos todas estas histórias e, fulgurantemente, as tantas histórias dançadas por PINA.
Corpos que se comunicam dançando o ENCONTRO, a partilha, celebrando a arte da vida ou a vida na arte. Seria arte?
Do Lamento de Imperatriz, da Mazurka de Fogo, Da Sagração da Primavera,  com música de Stravisnski, que à época provocou grande escândalo no teatro de Paris. Obra emblemática e quando revisitada por Pina Baush , altera definitivamente a História da Dança. Poesia, vertigem, medo, angústia... Os estranhamentos nas inúmeras histórias dançadas por Pina: histórias de diferentes povos  como nas  AGOURENTAS   carcaças de baleias dançadas no Tei Chan, ou ainda, dos efeitos de estranhamentos no Lamento da Imperatriz e em Barbe Bleue , obra que tem em sua trilha sonora árias cantadas por uma soprano e um baixo.As dissonâncias entre música e as ações corpóreas dos bailarinos reafirmam a estética da descontinuidade e incompletude, ao mesmo em que as conturbadas presenças são quase que imensuráveis.  Pina desafia as leias da física com sua dança termodinâmica fazendo transitar em consonância e (dês) consonância a dynamis – movimento em contínuo e a  therme – energia.
Pequenas células extraídas de diferentes obras de Pina são compartilhadas pelo grupo e postas em jogo. A decupagem de pequenas células exige de cada um de nós acuidade visual para a apreensão da estética baushiana. Eixo. Enraizamento dos pés. Não lutar contra a gravidade. O desequilíbrio no equilíbrio. Os espasmos, os graus de potências, os estados e  as  intensificações de gestos simples.
Células de movimentos ou frases de movimentos, ou um pequeno gesto, ou , ainda,  uma palavra ,uma frase, uma ação sonora ... São estas as composições iniciais a partir de estímulos problematizadores que na poética de Pina são colocadas  aos bailarinos, tais como: Dance o seu medo, Dance a sua angústia, Dance a vida, Dance a morte. Questões  das mais genéricas as mais específicas. Em nossa dança a questão-problema foi colocada por Evaldo: Dance alguma coisa  marcante de sua infância.
A composição de minúsculas partituras são  compartilhadas com o grupo.  Um dos integrantes assume o papel de diretor e faz a edição de nossas danças pessoais somadas as células de movimentos  extraídas  dos trabalhos de Pina em procedimentos de REPETIÇÃO E COLAGEM. E mais uma vez dançamos a nossa dança.
 De que arte  estamos falando? Seriam  encontros,  partilhas, trocas,  memórias pessoais? Ritualidades? Perfomatividades? Teatro performativo? Teatro pós-dramático? Hibridações? Desterritorializações?  Desmanches? Arte da experiência?
Inúmeros conceitos da arte contemporânea estão inscritos nos procedimentos adotados neste encontro. Apenas enunciá-los neste escrito, sem, portanto, debatê-los. Esta é a ideia. 
Uma arte que compartilha, reparte, comunica, socializa, celebrando  suas ancestralidades em meio aos cataclismos da contemporaneidade... “A corda do pai” (Janô),  a corda de nossos ancestrais, da memória de nossas ancestralidades marcadas em nossos corpos . Olho no meu caderninho à época de um dos muitos encontros  com Janô  (Antônio Januzelli ) e Selma Pellizon  e leio uma frase do Mestre : “estamos encharcados de banalidades”. Como esvaziá-las> Como dirimi-las? Como nos libertar das couraças?Como chegar ao vazio pleno? A arte de silenciar. O ritual do silêncio. Fazer arte sem imposições somada às diferentes percepções de todos que  lá estavam.
 Nada escasseava. O modelo de ação, a subversão do próprio modelo, mas que ainda permanecia na memória corporal, a memória de nossas infâncias em danças arrebatadoras que comunicavam nossas dores e nossas alegrias em procedimentos de  REPETIÇÕES  e COLAGENS.
Ao final, estávamos plenos, experimentando o Vazio Pleno. Libertos dos encharcamentos, das couraças que tanto nos afligem. Enfim, acudidos pela arte de fazer arte.
Desligados do tempo mecânico, alteramos o sentido de temporalidade, vivendo e revelando o presente como a única realidade tangível na criação da experiência coletiva.
A arte compartilhada em PINA!  Arte da experiência coletiva tão resguardada  por , Oiticica em seus Penetráveis . O mesmo Hélio que  veste  a arte com seus Parangolés junto ao pessoal da Mangueira e Lygia Clark  com o seu Caminhando , desligando-se de quaisquer mitos externos para viver o tempo imanente, o tempo do ato corpóreo fazendo-se nele mesmo. O corpo torna-se o receptáculo da obra. A obra é o corpo atingindo o “singular estado da arte” (Lygia Clark).
 Arte que pode ser feita por quem quiser fazê-la. Não mais existe o espectador passivo. Ele é partícipe da obra. Artistas e não-artistas? Esta é a grande reviravolta da arte contemporânea, a saber, tirar o espectador do lugar-comum e  compartilhar a arte no espaço-mundo diluindo as fronteiras entre arte e vida. A arte torna-se a experiência coletiva.
Hoje, na experiência do corpo compartilhado  em PINA, subvertemos a própria arte. Foi lindo ver Célia , artista do corpo, dançando nos andaimes da sala de ensaio.  Como foi lindo também ver a dança dos colegas que se denominam não-atores. Mas o que é ser ator? Afinal a áurea do artista e da obra de arte já foram  problematizadas no início do século XX pelas vanguardas europeias. Duchamp , integrante do dadaísmo, ao expor sua Fonte (Urinol),  subverte os três elementos da  comunicação estética: a obra, o artista e o espectador. Qual é o lugar da arte? Quem é o artista? O que é a obra de arte? A partir do novo paradigma inicia-se  uma  nova   História da Arte.
Seria o  artista um ser  aurático, ‘escolhido’ entre tantos outros? Esta visão romântica do artista não mais se coaduna  a concepções da arte como experiência coletiva.
A dialética das tendências contemporâneas negam os cânones tradicionais da arte. Portanto, pensar que o artista é um ser privilegiado, envolto em uma áurea é, nos dias atuais, reforçar os padrões de comportamentos divulgados pelos meios de comunicação. A arte não tem mais a natureza mimética, tão menos  ilustrativa.
A incompletude, o estranhamento são chaves importantes para o entendimento da arte contemporânea, pois tiram o espectador do lugar-comum, incitando-o a pensar sobre a obra em suas inúmeras leituras.
Pensar em projetos extensivos que dêem conta de experiências compartilhadas na arte, possibilitando a ampliação de repertórios corporais no desmanche de couraças, de corpos padronizados, mecanizados, é, sem dúvida, uma das prerrogativas da pedagogia teatral.
Somos todos FAZEDORES. Não há mais lugar para espectadores passivos, pois quando a arte não os convida  a dançar , os  instiga   a preencher os vazios da  obra. A obra aberta,  inacabada,  é, portanto,  uma das características  da arte contemporânea e,claro, de Pina Baush.
 Não há, portanto, separações, pois a arte que aqui exponho  não exclui , ao contrário, ela  não separa o homem do homem colocando  todos em movimento  nos convida a dançar inscrevendo uma dramaturgia corporal de pertencimento. Como hoje, no encontro com PINA.
Dançar com Pina em procedimentos compartilhados, repetidos e colados, nos proporcionou vivenciar a arte como EXPERIÊNCIA. A experiência do corpo coletivo em desmanche e reescrita. Uma reescrita que se fez no exercício de alteridades para a apreensão de si e do outro  na partilha das  diferentes percepções em PINA.
Ao dançar  PINA dancei  o Encontro!


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Pina Bausch

Protocolo

  Por Célia Govêia

             Palavras de Pina : “ Não estou interessada em como as pessoas se movem, mas o que as move”. Essas palavras de Pina, citadas pelo cineasta alemão Win Wenders no Caderno 2 de “O Estado de São Paulo” em 14/02/2011, demonstram que, além do sentido da atividade neuromuscular, os movimentos de dança têm a função de projetar o imaginário e o simbólico.
            Em “ O Lamento da Imperatriz : A Linguagem em Trânsito e o Espaço Urbano em Pina Bausch”,  Solange Caldeira ressalta a narrativa não linear presente nas peças de dança de Pina Bausch, nas quais o discurso fragmentado é povoado por imagens poéticas. Pina olha para o entorno, procedimento que se acentuou a partir da década de oitenta, quando o ponto de partida de suas criações passou a ser as cidades visitadas pela companhia, mantendo sempre o foco em como as imagens recolhidas ficaram impressas nos corpos dos bailarinos.
         Por sua vez, Ciane Fernandes destaca o método da repetição como veículo que leva ao desprendimento da situação real. Considerada mãe do aprendizado e recurso ao treinamento em dança, a repetição conduz ao efeito da distorção.
        O professor Bulhões solicitou a reflexão sobre o estranhamento poético presente nos trabalhos de Pina Bausch, que perturbam e deixam os espectadores inquietos, intrigados. Reação face ao singular, ao extraordinário, ao misterioso, ou processo de obscurecimento da forma, Caldeira salientou o fato de Pina remeter o espectador a mundos remotos e estranhos.
       As aulas do curso Encenações em Jogo ocorreram no teatro e os aquecimentos corporais no palco. Movimentos extraídos de vídeos das coreografias de Bausch  foram absorvidos por cada participante, depois mostrados e repetidos por todos. No primeiro encontro, o professor solicitou proceder individualmente a uma colagem dos movimentos absorvidos, editada por um colega que se propôs dirigir o trabalho. No segundo encontro o elemento estranhamento foi acrescido. As propostas aos exercícios cênicos consistiram em focar nas relações, ou então uma pergunta – método inerente ao processo criativo de Pina Bausch, foi formulada, especificamente a rememoração da vivência mais marcante no período da infância. As tônicas presentes consistiram na concentração, entrega e intensidade por parte de todos os alunos. Esses foram divididos em grupos, sempre com a constituição de um diretor, que ora selecionava o material contido nas improvisações individuais, ora orientava as composições no espaço.
    Nos encontros-vivências proporcionados pelo professor Marcos Bulhões, houve uma constante menção à acupuntura poética. Curiosamente, a palavra acu tem uma provável origem tupi, correspondendo a calor ou quentura. Derivada do latim, corresponde a agulha. Utilizada há milênios por chineses e japoneses, consiste na introdução, por meio de uma picada ( punctura) , de agulhas muito finas em pontos cutâneos precisos, sobre “linhas de força” vitais, às vezes afastadas da região doente.

BIBLIOGRAFIA:

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz  : A Linguagem em Trânsito e o Espaço Urbano em Pina Bausch. São Paulo : Annablume, 2009.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro : Repetição e Transformação. Ed. Hucitec
Dicionários:
AUGÉ, GILLON, HOLLIER-LAROUSSE, MOREAU et Cie..Petit Larousse. 2 ed.. Paris : Librairie Larousse, 1959.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2 ed.. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1986.



segunda-feira, 22 de julho de 2013

PINA BAUSCH: Por meio das aulas de Marcos Bulhões
ECA USP – ano 2013

Renato Sergio Sampaio

O primeiro dia de aula da disciplina Encenações em jogo: experimentos de criação e aprendizagem do teatro contemporâneo do Prof.Dr. Marcos Aurélio Bulhões Martins assistimos ao filme O Lamento da Imperatriz, único filme de Pina e feito para atores-bailarinos. O filme apresenta fragmentação de gestos, repetição de seqüências, efeitos de close com olhares para a câmara e diversidades com elipse narrativa. Focaliza o processo de narrar acumulando intertextos com relatos que se transformam continuamente na busca de soluções atuais do presente momento. Segundo a autora Solange Pimentel Caudeira em seu livro O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bauch (2009), a atividade corporal que permeia todo o filme é um simulacro do viver, bem como a reafirmação da capacidade infinita de produção, elaboração e busca de caminhos. O leitor-espectador é levado a acompanhar o narrador através de todo um percurso caracterizado pela indefinição espaço-temporal, esvaziado de qualquer tentativa de delimitação entre o real e o imaginário.

“O Lamento da Imperatriz é uma permanente viagem ao ‘não-lugar’. Movimentando-se em um espaço nebuloso que apregoa a impossibilidade de consolidação das marcas identitárias, relacionais e históricas que configuram o lugar antropológico, o anonimato do sujeito e o esmaecimento da memória fortalecem a idéia de que a voz que fala pode ser de qualquer um. Não é, portanto, necessário buscar nenhum designador identitário. A recusa da dança-teatro de apegar-se a referentes que possam servir como localizadores espaço-temporais está relacionada à crise da própria história como produtora de sentido, à crise da identidade cultural. (CAUDEIRA, 2007).

O filme não é dividido conforme o padrão dramatúrgico tradicional porque Pina faz um jogo de contrastes entre imagens que mobilizam signos e valores culturais com um poética plenamente livre na estrutura, são danças libertas de qualquer tipo de prisão, física ou mental numa obra híbrida nas linguagens da dança, do teatro e do cinema. O filme dialoga corpo e cinema com humor deboche e ironia. Alegoriza a cidade de Wuppertal numa direção fotográfica com posições e ângulos de um urbano nada óbvio, apenas experiências visíveis.

O segundo dia de aula foi uma apresentação do plano de curso e os planos de aula. Também foi uma apresentação geral da turma. Muitas dúvidas sobre o curso foi tirada e discutida neste dia. O terceiro dia de aula pôde-se discutir sobre teatro performativo e teatro pós-dramático. Este texto foi entregue o professor em folha separada, não havendo necessidade de escrevê-lo novamente. As práticas de Pina se iniciaram a partir da quarta aula do curso indo até a sétima aula.

Iniciar a prática da dança nos moldes de Pina Bausch foi uma experiência incrível e muito emocionante para mim porque tratou de temas da infância e movimentos plenamente livres na expressão artística. Isso nunca havia acontecido comigo e me moveu a estudar quem foi esta mulher incrível que despertava nos dançarinos atores uma liberdade tamanha. Cada aluno trouxe um ou dois movimentos da Pina assistidos na Internet e apresentou na sala de aula (palco – maravilhoso!) estes movimentos. Os alunos consumiam estes movimentos e imitavam a coreografia da Pina identicamente a fim de se apropriar do que é bom, de consumir o que é bom. Existem modelos para serem consumidos e não para serem imitados como moldes cristalizados. O fato de imitar os movimentos da Pina fez com que eu me apropriasse dele e assim abriu caminhos para que eu criasse os meus movimentos.
A cada nova aula passávamos a entender ainda mais a Pina, com novos movimentos e a partir deles, criar sequências e coros. Houve grupos de criação e cada um destes grupos, um diretor (aluno) conduzia a cena para uma apresentação para a classe. Fui um dos dançarinos participantes, uma experiência enriquecedora com desejos de fazer de novo. O desejo de dançar e atuar em mim cresceu e se libertou!
Iniciavam-se as aulas com aquecimento individual, alongamento muscular, movimentação das articulações e movimento livre. Depois se dançavam as memórias do modelo, repetindo a citação de uma coreografia da Pina estudada na Internet. Alguns alunos assumiam o papel de guia e mostrava aos demais os movimentos/gestos. Assim nos aquecíamos para estudarmos os movimentos da Pina. Às vezes o aquecimento se dividia em dois grupos, no qual em cada um deles havia um protagonista e um guia que conduzia o coro. Este guia dualizava a dança com o protagonista, respondendo aos seus movimentos. A experiência de ser o guia foi incrível, mas a experiência de ser o protagonista foi melhor. Movimentos surpreendentes saíram de mim e foi acolhido pelo grupo, trazendo-me um prazer enorme. Após este longo e incrível aquecimento, chegou a hora de dividir a sala em três grupos no qual três diretores criaram em conjunto uma apresentação para a classe. Eu fui um dos diretores desta vez e a experiência foi séria e comprometedora porque as pessoas do grupo que dirigi, sensíveis em sua criação original recebiam um leve “não” para algumas idéias. Dirigir é mais dizer não do que sim. E isto compromete o relacionamento dos alunos. Porém, enriquece a experiência de ambos, aluno diretor e aluno dirigido, para aceitar determinados comandos. Ao final a apresentação foi sucesso e a tensão diminuiu. Depois demos risadas juntos e foi tudo muito bom. Não houve nenhum problema de relacionamento, foi mais imaginário do que real. Um fato importante nesta aula foi o estudo do estranhamento nos movimentos da Pina Bausch. Tocou bastante meus sentimentos e aguçou este olhar ao estranho e não-estranho. Discussão que não termina em uma aula.
O sétimo dia de aula e quarto dia de Pina Bausch houve pela primeira vez o contato físico com os colegas e a demonstração do respeito que há entre todos. Meu parceiro foi um colega e eu não havia dançado com um homem ainda. Ele me pegou no colo diversas vezes e eu o peguei também. Houve cenas de estranhamento e padedé.

O livro Falem-me de amor de Pina Bausch (2006) abriu minha percepção para refletir em como quebrar as convenções caducas da cena, abolir o estereótipo da ficção e tornar assim a ação cênica credível, real e verdadeira. Fez pensar que para isso era necessário obter em cena a organicidade completa do ser humano, ativando corpo e espírito a transformar mecanismos físicos, intelectuais e emocionais para representar a expressão humana. O processo orgânico que o performer faria agir conscientemente na criação artística, libertaria a realidade da formalidade cotidiana. Um equilíbrio do método “psicotécnico” de Stanislavski que parte da interioridade da memória emocional reativada para chegar a ação e do método “biomecânico” de Meyerhold que parte da preparação física. Esta organicidade apoiaria as novas bases para a formação do ator, que segundo Copeau, espera descobrir sinceridade no ator por meio do equilíbrio entre o conhecimento de si próprio e dos próprios meios de expressão. Falem-me de amor quer uma dança que exprima o mundo corpo-alma (Körperseele) do dançactor através das formas sugeridas pela nova “organicidade do indivíduo. O bailarino é o profissional da organicidade do indivíduo travando uma luta pela verdade/liberdade na autosuficiência do seu corpo. Assim, cada bailarino é o criador de sua própria arte. Claro que não se podem desprezar os estudo sobre domínio do corpo presentes nas obras de Dalcroze e Laban. Um coro de movimentos deixa de ter razão de ser puramente decorativo e busca vontades socializantes com indivíduos unidos voluntariamente pelas mesmas razões de expressão. “Dançactores” livres que manifestam a própria criatividade constroem juntos, num nível pré-expressivo, o coro. Assim, a liberdade entra em comunhão e o conjunto de dançarinos se dá em verdade. O estudo é necessário para se libertar da regra expressiva em dança clássica. Um coro se monta por meio de regras, mas buscar a verdade na organicidade do grupo é libertar o coro e socializar os dançarinos. Pina fora um dos cinco precursores do Tanztheater na Alemanha Ocidental e que estudaram no Folkwang-Schule: Pina Bausch, Reinhild Hoffmann, Susanne Linke, Gerhard Bohner e Johann Kresnik. Se opunham ao bailado clássico quando se falava em formas inéditas e definição de coreografias para dança contemporânea, trazendo uma ruptura radical desta tradição. Assimilavam todos os tipos e técnicas possíveis de movimentos que poderiam servir ao teatro, colocavam cada um a inspiração pessoal e buscavam mostrar colóquios de estranheza estética para provocar o espectador. Utilizavam sons, vídeos, artes plásticas, filmes, músicas eletrônicas e efeitos diversos como parte da coreografia, compondo cenas multimídias que contribuíam para uma dimensão máxima à estética e aos meios de expressão da dança.

Frases de Pina Bausch que me chamam a atenção:

“Dançar é uma forma de amar.”

"Eu não estou interessada em saber como as pessoas se movem, eu estou interessada no que as faz mover."

“Quando saímos, se está a nevar e tudo se pôs branco, ficamos sós, sentimo-nos sós. Se o sol estiver a brilhar, talvez não. Mas nada garante que aquilo que o outro sente seja equivalente ao que nós próprios sentimos. Quanto à mensagem, não sei... Não há mensagem. A melhor coisa é deixar a intuição e a imaginação agirem. É verdade que eu quero dizer com força qualquer coisa difícil de formular, qualquer coisa de escondido; mas são os espectadores que têm de o descobrir, senão tudo seria tosco e grosseiro; são vocês que têm de o descobrir, eu não posso proceder demasiado directamente. Frente a certos valores, é preciso, acima de tudo, sensibilidade.”
           
REFERÊNCIAS
ACUPUNTURA POÉTICA. Site: http://acupunturapoetica.blogspot.com.br
BAUSCH, Pina. Falem-me de amor. Lisboa: Fenda, 2006.
CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bausch. In FÊNIX – Revista de História e Estudo Culturais Vol. 4 – Ano IV – n° 3. Julho/agosto/ setembro de 2007. In: http://www.revistafenix.pro.br/PDF12/secaolivre.artigo.1-Solange.Pimentel.Caldeira.pdf. Acesso em 1de maio de 2013.
CYPRIANO, Fábio. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Procedimentos de Coro e Protagonista na Dança-Teatro de Pina Bausch

Rodrigo Severo

Pina Bausch põe em cena mundos com efeitos estranhados, pois é preciso olhar o mundo e a dança como um movimento às avessas, na contramão, apresentando obras em estados de processualidades performativas que são decidas e interpretadas pela ótica do espectador. Pois, "o olhar do espectador é forma e conteúdo da dança-teatro de Bausch" (FERNANDES, 2000, p.100).
Os processos criativos e as obras/espetáculos de Bausch são quebra-cabeças que apresentam verdadeiros níveis de complexidade com camadas de "teatralidades" humanas tanto para os atores dançarinos como para o público.
A dimensão política de Bausch talvez esteja presente na forma como o discurso dramatúrgico das imagens são construídas/editadas, e de como as relações de poder presentes na sociedade estão configuradas em diversas camadas de suas obras/espetáculos, pondo em cena mundos estranhados e pontos de vista humanos que tocam o espectador.
Nas composições de Bausch, suas obras permanecem abertas e seus sentidos são sempre construídos por quem vivência e participa da obra. As mensagens subliminares presentes na obra de Bausch são muitas, e se apresentam por meio do universo feminino expressivo em que questões de gêneros são postas em cena de forma profundamente poética, desafiando a lógica das convenções da dança e do teatro, são formas de violência cênica que parecem estabelecer um novo modo de relação com o espectador. Em que “quase sem exceção, a violência é de homens para mulheres. Não há nenhum registro de mudança de um movimento feminino para a liberdade. Ela permanece totalmente impotente, sem qualquer recurso ou perspectiva de libertação. [...]” (CALDEIRA, 2009, p.147.). São processos de violência e opressão dos homens contra as mulheres (ou até mesmo subversão dos gêneros) que se materializa em cena onde aparece a problemática de dominação que se constitui por meio das tensões entre coro e protagonista, ou seja, das frases de movimentos e das ações que o coro faz com o protagonista, como acontece no espetáculo “Sagração da Primavera” (1975), em que aparece uma atmosfera de medo, horror, aflição e dominação de sujeitos com uma expressividade dramática que não é constituído por uma dimensão lógica, mas que é problematizada pelas questões de gênero. Assim, “as cenas insólitas de Bausch desafiam a lógica, mas é por meio dessa perversão da lógica, que a arte de Bausch adquire uma força de expressividade única, que carrega os traços das lutas do homem contemporâneo e sua contradição com o sistema da cultura” (CALDEIRA, 2009, p. 147), em que quase sempre a violência do mais forte sobre o mais fraco prevalece.
Pensando nestas questões, o nosso procedimento de trabalho de hoje foi sobre coro/protagonista e das relações que são estabelecidas entre gêneros. O aquecimento inicial já explorava tal procedimento. Assim, o grupo foi divido em dois subgrupos e em cada um desses, existia um alguém que executava uma ação, outra pessoa que reagia e o grupo seguia a pessoa que reagia, e os papéis eram trocados sucessivamente pelos participantes do jogo. Depois dessa etapa, cada participante mostrou algumas ações de coro e protagonista que estão presente em trabalhos de Pina Bausch, e iniciamos o jogo. Como a pergunta/questão de hoje foi diretiva, nos deu mais possibilidades de mais relações corporais com o outro.  O jogo era de ação e reação: um dança e o outro reage.  Chegou um momento do exercício que não sabíamos mais quem agia e quem reagia, pois aconteceu um processo de sedução, um namoro, um tango a dois, formando-se imagens bem profundas que tocavam na nossa humanidade.
A relação com o outro nunca se esvaziava, pois era como um sistema sempre cíclico em que um se alimenta e alimenta o outro sempre em relação, procurando modos de se relacionar em níveis nada convencionais. Ações como lamber os pés um do outro, seduzir através do olhar, tentar beliscar um ao outros com os pés, se jogar nos braços do outro e deixar a pessoa do outro escorregar até cair no chão, cantar parabéns com o corpo preso nos andaime com duas penas segurando o peso do meu corpo e rir muito de si mesmo e dos outros, foram algumas das ações que apareceram nesse jogo. Fizemos tantas ações que na hora de construir uma síntese só foram editadas aquelas que foram mais significativas, aquelas que foram construídas em duplas. Usar o espaço para compor nossa dança foi de fundamental importância, pois dançamos com tais objetos, recriando novos universos.
O nosso estranhamento foi tão espontâneo que só depois do jogo foi que tivemos consciência de que havíamos construído tal procedimento, o que me faz lembrar as palavras de Bausch quando dizia a seus atores bailarinos “se você quer entender, sinta” (Pina Bausch). Célia ao assumir o papel da Pina Bausch propôs uma reorganização das ações que ficou síntese e muito grandiosa, pois havia um sentido em sua condução, em sua organização coreográfica e a sequência das duplas foram conservadas, possibilitando diversos níveis de leitura. As relações de poder ficaram bem implícitas nas partituras criadas pelos atores dançarinos.  
O interessante é como Pina Bausch discute o feminino em cena, o que já é uma dimensão política de pensar as relações de poder que são estabelecidos pela questão de gênero. Podemos falar de um universo microcosmo que constrói um macrocosmo político do homem contemporâneo, podendo ser visto e discutido em várias camadas de seus espetáculos. É um pessoal que também é coletivo, pois é, sobretudo, humano. Nesta perspectiva, Fernandes (2000, p. 25) coloca que o corpo do sujeito é ao mesmo tempo um corpo individual e um corpo coletivo “[…] uma construção em nível psicofísico, constantemente permeada e controlada por repetitivas normas de disciplina em meio às relações sociais de poder”. Diante disso, nos processos criativos de Bausch nada é gratuito, mas ao contrário, é uma pesquisa de movimento baseado em cultura e povos onde a forma de sua dança assumem dimensões políticas. Assim, na composição final que fizemos em sala de aula estava um quebra-cabeça que problematizava as relações e os sentimentos humanos, transgredindo os limites entre dança e teatro, entre arte e vida.

Referências
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: repetição e Transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.

CALDEIRA, Solange Pimentel. O lamento da imperatriz: a linguagem e o espaço em Pina Bausch. São Paulo: Annablume, 2009.

Fricções entre dois universos: ela e ele

Rodrigo Severo

“Algo a respeito de sua infância”.
“Dance seu medo”.
“Dance sua solidão”.
“Dance sua fragilidade”.

Perguntas aleatórias deste universo são exploradas nos processos criativos desenvolvidos por Pina Bausch para composição dos seus intérpretes. Este método é usado inicialmente para que os dançarinos experimentem narrativas pessoais a partir de frases de movimentos, ou seja, descrição de sentimentos, traumas e alegrias vivenciados por eles ao longo de suas vidas, que serão desconstruídos e ressignificados para novos contextos por meio dos procedimentos de repetição e colagem.
Pensando nestas questões, na vivência de hoje, dançamos nossas memórias e lembranças, experimentando combinar tais movimentos com partituras corporais dos espetáculos de Pina Bausch. Saímos da expressão de um sentimento passado para criação de uma linguagem estética fragmentária e simbólica.
Nesta perspectiva, pequenas ações corporais extraídas de diferentes obras de Pina Bausch foram compartilhadas para serem postas em estado de jogo em uma segunda etapa do trabalho. O interessante é que a decupagem das ações por partes dos participantes já nos exigia uma acuidade visual para apreensão das estéticas das partituras corporais de Bausch. Após o grupo ter experimentado e codificado alguns movimentos de Bausch, foi lançada a seguinte questão: Dance alguma coisa marcante de sua infância.
Como o corpo é memória, ao me movimentar, os canais criativos vão sendo desobstruídos, relembrando traumas que marcaram minha infância. Eles vieram com tanta violência que meu corpo é levado por eles, me movia porque eles estavam ainda em meu corpo, atingindo níveis de visceralidade. Dançava no plano das emoções, dos segredos íntimos, das sensações. Estas por sua vez, foram se transformando em movimentos corporais que por meio do procedimento da repetição tornam-se sequências corporais. A minha dança passava de um movimento extremamente pessoal para uma linguagem estética, em que por meio da repetição, a presença cênica vai sendo conturbada.
Ao usar o procedimento de colagem, friccionando minhas ações com os movimentos extraídos do universo de Baush, vai sendo criado uma região de hibridismo e cruzamento em que os dois universos vão se contaminado e se reconstruindo, aparecendo espaços desterritorializantes, onde na linguagem estética construída, já não se sabe mais quais as citações de Bausch e quais os movimentos pessoais dos performers. Vida e arte ou arte e vida se misturam e se comunicam no momento do aqui agora. Histórias, gestos e movimentos que se contaminam e se tornam linguagem. Corpos ancestrais se manifestam no momento da dança.
Ao colocar estes materiais em estado de jogo com outros performers, vão sendo criados estados de contaminação e processos de afetação como consequência da recombinação dos materiais corporais dos participantes.
Assim, na composição e edição de nossas danças, somados as células retiradas do universo de Bausch vão aparecendo uma linguagem contaminada de hibridização e fricções. O interessante é que a estética do medo permeava nossas ações e o resultado da cena foi a criação de uma atmosfera de um medo coletivo na infância que estava presente em todas as camadas de nossas ações. Assim, na cena estavam presentes, através de frases de movimento, poesia corpórea, vertigem, angústia, aflição, medo, terror.
Este tipo de trabalho é interessante para se pensar como os procedimentos criativos podem possibilitar construções de novas poéticas para o performer, viabilizando ampliação do seu repertório corporal e a construção de novos paradigmas da cena contemporânea.


segunda-feira, 6 de agosto de 2012

UM OLHAR SOBRE NOSSO FILME / EXERCÍCIO

Fabiano Fleury de Souza Campos

Há o risco de À Margem da Imperatriz ser considerado como um conjunto de recortes: muitos alunos/performers/criadores, tentando por em prática a ideia de criar um filme que fosse uma produção coletiva, em que cada um dirigisse e criasse seu próprio roteiro, que posteriormente se juntaria a fim de se transformar em uma única produção, que tivesse o olhar final e a edição da colega Luciana, como havia sido acordado, entre nós, em sala de aula.  Segundo as orientações do professor Marcos Bulhões, o filme precisaria ter essencialmente a influência explícita da poética de Pina Bausch, sobretudo de seu filme O Lamento da Imperatriz.

No final desse processo, ficou o sentimento de objetivo alcançado, já que em nosso exercício transparece um sentido e uma unidade. O sentido é, cada um a sua maneira, relacionar-se com a cidade de São Paulo, o que ocorre a partir do procedimento que poderia ser identificado como “estranhamento da cena” (algo discutido em sala de aula e evidente no filme que nos serviu como referência), em que o performer se propõe a interagir de forma não-convencional com o ambiente em que está. Quanto à unidade, sobressai de cada performance o sentimento de quem vive num grande centro urbano: a ideia de solidão no meio da massa, de asfixia em meio a tanto concreto, de invisibilidade em pontos de aglomeração e de certo descaso com o que acontece ao redor.    https://vimeo.com/44935140

sábado, 4 de agosto de 2012

O que nos passa, o que nos toca e o que nos acontece: em Pina, somos sujeitos da experiência. Por Gisele Vasconcelos


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“Eu não investigo como as pessoas se movem, mas o que as move” (Pina Bausch apud Cypriano, 2005, p. 27)

Neste escrito parto da denominação do crítico alemão Norbert Servos (apud Cypriano, 2005, p. 28) para o Teatro-Dança de Pina Bausch enquanto “Teatro da Experiência” e designo o criador no procedimento pina bauschiano como um sujeito da experiência.
Experiência, compreendida à luz de Jorge Larossa Bondía, como “aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos transforma”. O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto, aberto a transformação, sujeito assim como o definido por Larrossa (p. 26): não por sua atividade, mas por sua passividade “feita de paixão”, por sua “receptividade primeira”, por sua “disponibilidade fundamental”, por sua “abertura essencial”.
... aquilo que posso mostrar não pode abranger tudo. Aquilo que posso mostrar é apenas uma tradução do que senti... sei que se fizer outra peça, ela será diferente. Elas dependem das minhas experiências com a companhia. As peças nascem dela mesma, dependem dessas experiências. (Pina Bausch apud Cypriano. 2005, p. 106)
Na proposta de uma ex-posição e não exibição, Pina “expõe no palco os bailarinos em sua fragilidade mais aparente, em suas próprias personalidades, e não como performers que representam tecnicamente um papel” (CYPRIANO, 2005, p.27)
E é nessa relação com a existência, de modo singular e concreto, que transbordam os ensinamentos de Pina, em nossa abordagem antropofágica de aprendizagem de procedimentos baushnianos, para fins artísticos e pedagógicos.
Pina Bausch (1940 – 2009), coreógrafa alemã, foi o segundo ponto-pessoa-princípio da rede artística, mapeada por Bulhões, a ser degustada por nós, aprendizes-atores-educadores no programa de pós-graduação em Artes Cênicas, da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo.
Suas peças foram criadas com a participação de seus bailarinos, através de procedimentos como o de Perguntas e Respostas. Nesse procedimento, a coreógrafa apresenta uma série de perguntas, temas, palavras, frases, estimulando um mostrar a si mesmo.
Ciane Fernandes (2000, p.43), em seu estudo acerca da Repetição e Transformação em Pina Bausch, aponta que “muitas das questões de Bausch implicam relembrar: como era a sua infância? Ou pessoas importantes na sua vida.” Nas respostas: as histórias pessoais de seus dançarinos.
Para Regina Advento, dançarina brasileira que integra desde 1993 o Tanztheater de Wuppertal “há três tipos de respostas: por palavras, por movimentos ou ambos... tudo que respondemos é gravado em vídeo e depois algumas cenas são selecionadas e retrabalhadas individualmente com a Pina... em geral, não temos ideia de para onde vai o material, tudo é centrado na Pina” (Cypriano, p 33)
Nas atividades de investigação dos procedimentos de Pina Bausch, trabalhamos observando os registros audiovisuais de suas obras, assim como os documentários acerca dos trabalhos da coreógrafa em Wuppertal.
Os aprendizes-artistas-educadores da disciplina “Encenações em Jogo”, coordenada por Marcos Bulhões, extraíam movimentos de suas obras. Na tentativa de descrevê-los para a turma, repetiam tal como os haviam percebido em vídeo. No processo de aprendizagem do gesto-movimento, o aprendiz, inicialmente, o repetia solitário numa relação entre ele, o gesto e a tela do computador, buscava descrevê-lo, ou marcando o tempo de cada movimento do tipo 1, 2, 3, 4... Ou mesmo fazendo analogias com imagens: “Todas as palavras não cabem nos pensamentos e ideias”. 
O movimento era então repassado para a turma, que aprendia uma série de seis ou mais movimentos por aula, sendo que, depois, eles eram
interligados compondo no espaço uma dança de gestos copilados em processo de apropriação, repetição e transformação sob a forma de coralidade.
Após o exercício da repetição dos movimentos-gesto de Pina, éramos impulsionados a criarmos, em grupo, nosso próprio repertório guiado pela pergunta do designado então diretor do grupo, que fazia referência ao lugar da Pina enquanto coreógrafa responsável pela ordenação, escolha e transformação do material observado.
A motivação externa, que vem do estímulo-tema-texto, pode ser apenas uma palavra ou uma pergunta, como se costuma dizer, mas é necessariamente o primeiro passo para desencadear a dramaturgia da memória. Esse primeiro estágio tem lugar inteiramente na mente, a qual se esvaziará, então, dos estereótipos e clichês. (SANCHEZ, p. 90)
No processo de criação com base na repetição e motivação externa através do estímulo-tema-texto, os desejos, frustações e esperanças, expressões da subjetividade do artista criador são fundamentais para o método de trabalho de Pina Bausch, que se alimenta de questões subjetivas para focar o social.
Nesse processo dancei: “Qual o meu tempo agora”?
Tempo de festa, de amar de sorrir, tempo de conquista, do silencio, da poesia, véspera do meu aniversário, tempo do sorriso e da alegria. Dizia para todos: Amanhã é meu aniversário.
- Dancei: “O que me move na cena, na criação artística”?
É um sopro, uma respiração, algo que vem de dentro impulsionado pelos sentidos, algo que é sentido e não verbalizado, pode vir por um grito, um sopro, uma canção. É preciso ar e também a falta dele, o extremo, a exaustão, o cansaço físico para a manifestação da ação. A arte está numa outra ordem!
Cantei, quase sem ar, quase sem voz: “se ela um dia despencar do céu e se os pagantes exigirem bis..... me ensina a não andar com os pés no chão... para sempre é sempre por um triz....”
- Dançei: “Eu entro e eu saio”.
De imediato a frase me levou para uma brincadeira popular do Maranhão, o Cacuriá de dona Teté:  - tô entrando... jabuti sabe lê, não sabe escrever, ele trepa no pau e não sabe descer... lê lê lê... tô saindo.
Na dança individual e pessoal, éramos observados pelo diretor-coreógrafo, que trabalhava na observação, exclusão, seleção, repetição e transformação do material expressivo fornecido pelos criadores em estado de jogo. O trabalho de composição de cenas funcionava como montagem, cujo material pessoal vai sendo intercalado pelo material da pina, remodelado numa forma estética, compondo um fragmento de teatro-dança.
No processo de montagem das cenas, “em geral 90% do trabalho assim obtido é depois abandonado”, declara Pina (apud Cypriano, 2005, p. 33). Quando o material não é abandonado, essas histórias pessoais adquirem características estéticas através da repetição e transformação, sem qualquer tipo de apego, pois, como afirma Ciane Fernandes (2000, p. 45), neste tipo de procedimento a “experiência original (significado) é relevante apenas como uma memória esteticamente reconstruída”.
O processo de colagem e montagem com livre associação é um procedimento utilizado por Pina, no qual “pequenas cenas ou sequencias de movimentos são fragmentadas, repetidas, alternadas, ou realizadas simultaneamente, sem um definido desenvolvimento na direção de uma conclusão resolutiva” (FERNANDES, 2000, p. 21)
Para Sarrazac (2012, p. 120) “montagem e colagem designam, com efeito, uma heterogeneidade e uma descontinuidade que afetam igualmente a estrutura e os temas do texto teatral”.
Solange Caldeira afirma que:
A concepção de montagem da dança-teatro recorre a métodos conhecidos da arte cinematográfica: fragmentação do gesto, repetição de uma seqüência, efeito de close e de focalização, fades, olhares para a câmara, elipse narrativa, montagem em câmara rápida.  Em que Bausch agrupa as idéias e as marcações, dá a elas uma conotação e, por fim, uma forma, ou seja, edita, como no cinema.
Nessa experiência de colagem e montagem a turma de “Encenações em Jogo” (2012), se envolveu na devoração/recriação do filme “Lamento da Imperatriz”, de Pina Bausch e tomou a cidade de São Paulo como protagonista para a criação de movimentos-gestos em espaços urbanos da metrópole.
Cada integrante partiu de um espaço, tema, incômodo, escolha, fez a captação de imagens, posteriormente editada pela cineasta, integrante da turma, Luciana Canton, que resultou no vídeo “À Margem da Imperatriz”.
Na experimentação para a composição do filme propus um trabalho com o material orgânico: ÁGUA. Pina Bausch, em muitas de suas obras, faz uso de materiais reais e orgânicos a exemplo da utilização da água, terra ou de cravos sob o palco. Movimentar-se sob a superfície aquática constitui um obstáculo que sugere outro tipo de deslocamento no espaço. Para esse exercício utilizei o ambiente do lago do MASP, na composição de uma sereia urbana.
 “Trata-se do que ainda não é arte, mas daquilo que talvez possa se tornar arte”. (Pina Bausch)
Referências Bibliográficas:
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o Saber de Experiência. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Educação. N°19, 2002.
CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Bausch. http://www.revistafenix.pro.br/PDF12/secaolivre.artigo.1-Solange.Pimentel.Caldeira.pdf. Acesso em 17 de maio de 2012.
CYPRIANO, Fábio. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.
SANCHEZ, Licia. A Dramaturgia da Memória na Cena Contemporânea do Teatro-Dança. São Paulo: USP, 2006.
SARRAZAC, Jean - Pierre. Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.